4 de dezembro de 2008

Cientistas descobrem o que têm de especial células imunitárias de seropositivos que não desenvolvem sida

in Público 04.12.2008, por Nicolau Ferreira


Há um grupo de pessoas capaz de controlar o vírus da sida durante anos, sem tomar medicamentos. Isto sabe-se desde a década de 1980, mas não se sabia como. Agora, cientistas norte-americanos conseguiram perceber o que ocorre nas células do sistema imunitário para permitir a estas pessoas manter o VIH em quantidades tão pequenas que, apesar de serem seropositivos, não chegam a ficar doentes com sida.

O VIH necessita das células do sistema imunitário chamadas linfócitos T CD4+. Usa estes glóbulos brancos para se replicar e manter-se no organismo. A maioria das pessoas que contrai o vírus da sida sofre, ao longo do tempo, uma diminuição gradual das CD4+, enquanto o número de vírus vai aumentando.

Eventualmente, o corpo fica com tão poucos CD4+ e o sistema imunitário tão debilitado que uma bactéria geralmente inofensiva pode transformar-se numa infecção muito grave.

Mas a evolução criou há muito tempo glóbulos brancos especializados em matar células infectadas por vírus, chamados linfócitos T CD8+. Numa dada fase da infecção do VIH, os CD8+ atacam os CD4+, reduzindo o número de cópias de VIH. Mas, na maioria das pessoas infectadas, a partir de certa altura os T CD8+ deixam de ter actividade suficientemente forte para combater o vírus.

Os investigadores aperceberam-se que uma pequena percentagem de pessoas, cerca de 0,2 por cento da população, reage de outra forma. As células CD8+ deste grupo continuam sempre a destruir as células CD4+ infectadas, mantendo o VIH em quantidades mínimas — menos de 50 vírus por mililitro de sangue, indetectável pelas análises normais.

“Há pessoas que vivem com esta infecção há 25 anos sem nunca serem tratadas”, disse por telefone ao PÚBLICO Henrique Barros, responsável da Coordenação Nacional da Infecção VIH/Sida.

A equipa que integra Stephen Migueles, primeiro autor do estudo publicado hoje na revista científica "Immunity", mostra que nesta população a actividade dos CD8+ é muito maior do que na maioria das pessoas. Estas células, ao reconhecerem os CD4+ infectados, tocam neles e injectam-lhes grânulos com enzimas capazes de provocar a auto-destruição das células infectadas. Os cientistas, do Instituto Naciuonal de Alergias e Doenças Infecciosas dos EUA, em Bethesda (Maryland), viram que esta actividade é efectiva e prolongada.

Segundo a imunologista Ana Espada de Sousa, do Instituto de Medicina Molecular, a diferença tem que ver com a “qualidade dessa capacidade de destruição”, disse ao PÚBLICO.

Não se sabe ainda a causa disto. “A genética tem sempre qualquer coisa que ver”, disse a cientista. Mas não é tudo. Através de substâncias capazes de activar linfócitos, os investigadores conseguiram pôr os CD8+ de doentes normais cultivados em laboratório a funcionar da mesma forma que os desse 0,2 por cento da população. Isto prova que “não é uma função perdida por estas células”, concluiu.

“Uma vacina eficaz terá que passar por estas células”, diz Ana Espada de Sousa, para explicar a importância do estudo das CD8+.

Os antirretrovirais, que na maioria dos pacientes conseguem reduzir o VIH, não são capazes de debelar completamente a infecção. O vírus mantém-se adormecido em certas células, e pode voltar a multiplicar-se, obrigando os doentes a tomarem os medicamentos para o resto da vida. Perceber o funcionamento destes CD8+ pode abrir portas no futuro para se conseguir controlar o VIH.


Fonte: Público.Pt

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