25 de agosto de 2008

Acredite que não foi a sida que morreu...

[Sobre a notícia "Portugueses compram cada vez menos preservativos" uma reflexão de Isabel Stilwell. Apenas para confirmar, como se isso fosse necessário, o que tenho vindo a dizer no "Tempo de Janela"...e não só! mié]
25 | 08 | 2008 16.12H

Não há maneira de ver o problema de uma forma optimista. Esta semana foi divulgado que os portugueses estão a comprar cada vez menos preservativos. Diz a Lusa que, em média, se vendem mensalmente menos dez mil embalagens - e cada embalagem tem vários preservativos - , do que há quatro anos atrás. Em qualquer situação, seria grave, muito grave mesmo, mas no país com a segunda maior taxa de incidência de sida da Europa, é de entrar em pânico. Um pânico consequente, que levasse à acção.

Os números da doença - Ao contrário do que se tornou ideia corrente, a sida não tem cura, a sida não desapareceu e a sida continua a infectar. No final do ano passado, revela a Lusa, estavam diagnosticados em Portugal 32 491 casos de infecção, mais 2125 do que aqueles registados em Dezembro de 2006. O vírus não está circunscrito aos "marginais", nem a classes etárias, nem a classes sociais. O crescimento mais acentuado é agora entre os heterossexuais, sobretudo nas mulheres com mais de 40 anos, aquelas pelas quais não passava pela cabeça a possibilidade de terem contraído o vírus: confiavam na fidelidade do seu parceiro! Apesar de esta informação ter sido mais do que divulgada, a verdade é que, segundo o último Inquérito Nacional de Saúde, metade das mulheres portuguesas confessa ter relações sem preservativo. Da mesma forma, os estudos provam que os mais novos, tanto em Portugal como na Europa, eram novos de mais na altura em que os Estados fizeram um maior investimento em campanhas de informação e prevenção, e que não têm de facto a informação necessária, aquela que os mais velhos acreditavam ser já um dado adquirido. Por outras palavras, uma das faixas etárias em maior risco acabou por escapar entre as malhas da rede. Estão convencidos de que é um problema ultrapassado e respondem mesmo aos inquéritos dizendo que a «sida já tem cura», confundindo os avanços médicos que aumentam o tempo de vida com cura. Alguns acreditam que a pílula também os protege de doenças sexualmente transmissíveis. A consciência dessa lacuna levou países, como a Suécia, Inglaterra e França, a iniciarem em força novas campanhas, na certeza de que este é um assunto que não pode ficar, por muito tempo, longe dos olhos das pessoas. Filomena Frazão, presidente da Fundação Portuguesa Contra a Sida, sintetiza esta realidade: «As campanhas não estão a funcionar. Diz-se que a sida está a diminuir, mas todas as semanas chegam-nos novos casos de pessoas infectadas. Entre os heterossexuais a doença está a subir em flecha e de forma assustadora».

Não há menos relações - A crise económica poderia ter afectado o desejo, e nesse caso a venda de preservativos diminuiria em consequência de um menor número de relações. Poderia, ainda, ter crescido o número de pessoas, nomeadamente dos mais novos, que tivessem optado pela abstinência. Mas não é esse o caso, garante à Lusa Santinho Martins, presidente da Sociedade Portuguesa de Sexologia Clínica, que acredita que, infelizmente, a questão é que «as pessoas confiam de mais e não têm comportamentos de acordo com a informação de que dispõem». Mudar comportamentos não é nada fácil, e se numa primeira reacção ao medo as pessoas conseguem manter um padrão de exigência consigo mesmas, mas esse medo tende a atenuar-se, voltando a instalar-se a impressão de que estas coisas só acontecem aos outros. Essa tendência, que nos ajuda a ser capazes de superar traumas, torna-se suicida quando o perigo presiste, como acontece neste caso.

A má-língua sobre o preservativo - Não têm ajudado a contra-informação que alguns sectores da sociedade veiculam, nomeadamente a ideia de que o preservativo é pecado, que diminui o prazer, ou que é uma forma de revelar desconfiança pelo parceiro/a. Pecado é certamente contaminar alguém com uma doença mortal, por comodismo, ou atentar contra a sua própria vida, contraindo uma doença mortal. O discurso da abstinência, descontextualizado de uma educação sexual séria, é uma armadilha perigosa. O politicamente correcto é letal em situações limite como estas.

Educação sexual urgente - É um erro pensar que são os mais novos que correm maior perigo ou que têm comportamentos mais promíscuos, mas erro a sério é continuarmos incapazes de implementar nas nossas escolas uma formação sexual com pés e cabeça. Que deixe clara a fisiologia de um acto sexual, os métodos contraceptivos, mas que trabalhe com eles o autoconhecimento, a capacidade de reflexão. Está provado que os jovens mais informados são aqueles que adiam o início da sua vida sexual e que, quando a assumem, a assumem de forma mais responsável. É por aí o caminho.
Isabel Stilwell | editorial@destak.pt

Destak.pt

Nenhum comentário:

Se correu alguma situação de risco

Quanto mais cedo for detectada a infecção mais eficaz será o tratamento e mais anos de vida terá.